(Veiculado pelo Correio da Cidadania a partir de 23/06/15)

PAULO METRI – conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do
Correio da Cidadania

Faço uma estimativa dos prejuízos que serão causados à nossa
sociedade se o projeto de lei (PL) 131 de autoria do senador José Serra sobre o Pré-Sal vier a ser aprovado. Sei que esta estimativa é baseada em algumas suposições, o que a torna um evento não determinístico. No entanto, as suposições feitas são o que, em inglês, chamam de “_educated guess_”, correspondente ao nosso “chute em direção ao gol”, que pode raspar a trave ou entrar no gol. Por outro lado, é válido fazer esta estimativa para mostrar a ordem de grandeza do prejuízo que Serra propõe.

Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), já foram descobertos, no Pré-Sal, 60 bilhões de barris. Todos os “barris” citados neste texto referem-se a “barris recuperáveis”. Sobre estas descobertas, os modelos de exploração e demais parâmetros já estão definidos nas leis e respectivos contratos existentes. O projeto do senador, se aprovado, só trará repercussão no que ainda deve vir a
ser descoberto nesta área. Assim, a primeira suposição a ser feita é
sobre quantos barris restam a descobrir.

Após alguma insistência, geólogos tendem a citar faixas de valores
para as reservas adicionais do Pré-Sal. Um ex-diretor da Agência
Nacional do Petróleo (ANP) disse, na época da descoberta do Pré-Sal,
que poderiam existir até 300 bilhões de barris na área. Pode-se
dizer, em posição equilibrada, que ainda existem 90 bilhões de barris
no Pré-Sal a serem descobertos.

Assim, o prejuízo a ser causado pelo projeto Serra é obtido da
comparação da exploração de 90 bilhões de barris pelo modelo de
partilha atual e pelo modelo de partilha com as modificações do PL
131. Detalhando, as alternativas que estão sendo comparadas são as
seguintes. Na primeira, representada pelo modelo existente, todas as
áreas do Pré-Sal ainda não leiloadas seriam arrematadas por
consórcios ou pela Petrobras sozinha. E, na hipótese de serem
arrematadas por consórcios, estes teriam a Petrobras como integrante, com no mínimo 30% de participação, e como operadora dos mesmos.

Ainda nesta alternativa, as rodadas de leilões seriam realizadas bem
espaçadas para permitir à Petrobras acumular lucros que seriam
reinvestidos no negócio, minimizando a necessidade de empréstimos e de venda de ativos. Notar que não há pressa para se explorar o Pré-Sal, pois o país já tem seu abastecimento garantido pela própria
Petrobras por mais de 20 anos.

No modelo flexibilizado de Serra, a Petrobras seria só mais uma
petrolífera, que disputaria áreas do Pré-Sal, e só seria operadora
quando conseguisse formar um consórcio em que estivesse nesta posição e ele saísse vitorioso do leilão. Embutido neste modelo está o
conceito de que ela arrematar uma área ou uma petrolífera estrangeira a arrematar, para a sociedade brasileira, é a mesma coisa, o que não é verdade.

Na alternativa Serra, as rodadas de leilões seriam bem frequentes, para retirar a Petrobras destes leilões pela incapacidade de investir
freneticamente. Assim, as petrolíferas estrangeiras estariam prontas
para formarem cartéis e arrematarem áreas, o que é impedido quando a Petrobras é uma das contendoras. Também, em geral, a ganância leva as petrolíferas estrangeiras a produzir em ritmo acelerado para maximizar o lucro, e não para retirar o máximo de energia do campo, transformando-se, assim, em uma produção predatória, o que a Petrobras não faz.

Teremos que diferenciar os prejuízos numericamente estimáveis daqueles que não são. Nos prejuízos quantificáveis, está a redução da
arrecadação de royalties. Este tributo, em um período de tempo, é
proporcional à receita que é função da produção no período e o
preço de transação do petróleo na época. Se a Petrobras não for a
operadora única de todos os contratos do Pré-Sal, mesmo sabendo da existência da empresa do Estado brasileiro Pré-Sal Petróleo S.A.
(PPSA), que, pela lei no 12.351, tem a incumbência de gerir os
contratos de partilha da produção, há a possibilidade de a produção
ser declarada com um valor menor que o real, exatamente para se pagar menos royalties e, também, gerar menos lucro, o que leva a uma menor contribuição para o Fundo Social.

Não tenho conhecimento de nenhum esquema de fraude na medição da produção. Estou falando aqui sobre a vulnerabilidade para roubos de modelos de organização do setor. No modelo proposto por Serra, a Petrobras é tirada da condição de operadora única, quando, com ela, se pode ter o modelo mais confiável de apuração do valor da
produção. Ela é a única empresa que não anseia pela maximização
dos lucros dos empreendimentos. Assim, ela não tem a tentação de
subavaliar a produção.

A CORRUPÇÃO

Neste ponto do desenvolvimento dos argumentos, sempre observam: “Mas a corrupção foi flagrada nela, recentemente”. O que aconteceu, lá, foi a descoberta que alguns dos seus executivos a roubavam para
satisfazer a quem lhes nomeou para seus cargos e a si próprios. Roubos em empresas privadas por seus executivos também acontecem, mas não são divulgados porque os controladores das empresas roubadas, não querendo mostrar fragilidade ao mercado, penalizam os ladrões e não divulgam os ocorridos.

Outra tradicional contraposição trazida ao debate é que a
responsável por garantir medições corretas para os volumes produzidos é a ANP, que pertence ao governo. Acontece que ela, assim como muitas das agências reguladoras do nosso país, foi cooptada, desde que foi criada, pelas empresas a serem reguladas e, no caso específico, pelas petrolíferas estrangeiras. Se isto não fosse verdade, ela não sugeriria tantas rodadas de leilões de nenhum interesse social. Não teria também determinado no edital de Libra o percentual ridículo do lucro líquido a ser remetido para o Fundo Social. É claro que estas agências têm para suas ações antissociais o beneplácito do governo.
Há necessidade de um rápido parêntese para facilitar o entendimento do leitor. Toda a estrutura de funcionamento do governo foi modificada nos anos 1990, quando princípios neoliberais e entrevistas foram introduzidos e nunca mais foram modificados. Por isso, nos deparamos, de tempos em tempos, com alguns destes entulhos do passado. Enquanto eles existirem, o grau de soberania do país permanecerá baixo.

Por outro lado, a PPSA não irá inibir a subavaliação da produção,
por esta estatal ser chefiada, hoje, por pessoas, que, até há pouco
tempo, trabalhavam em petrolíferas estrangeiras ou em fornecedores
estrangeiros do setor. Mais uma vez, não critico as pessoas que estão,
hoje, nesta estatal. Critico o modelo de organização do setor, que
permite a nomeação de pessoas para cargos-chave de controle, que
deveriam ser declaradas impedidas _in limine_, porque os interesses dos seus novos cargos conflitam com os interesses das empresas nas quais trabalhavam até recentemente.

Assim, ao serem produzidos os 90 bilhões de barris, que ainda serão
descobertos, suas medições poderão atestar somente em torno 81
bilhões, com uma “perda” de nove bilhões, ou seja, 10% do volume
total. Este é um valor estimado, que representa “um chute
plausível” do que pode ser escondido. Como esta eventual fraude
ocorreria durante a vida útil do campo, tal petróleo será
comercializado a diversos preços, podendo ser tomado, como média, US$ 100 por barril. Então, a fraude da subavaliação da produção poderá ser de US$ 900 bilhões em 35 anos. Como o royalty é 15% sobre a receita, neste caso, o royalty desviado será de US$ 135 bilhões em 35 anos. O modelo proposto pelo Serra permite esta fraude, o que é barrado pela Petrobras no modelo atual.

Outro momento em que pode ocorrer fraude é no cálculo do custo da
produção do petróleo, que irá influir sobre o lucro líquido e,
assim, influenciará o valor a ser remetido para o Fundo Social. Em
tese, esta fraude pode ser quantificada por fiscais competentes, mas,
sem muitos dados, sua estimativa é difícil de ser feita. Como as
petrolíferas estrangeiras trabalham basicamente com seus tradicionais fornecedores do exterior, a entrega de faturas superfaturadas pode ocorrer sem dificuldade e, depois, o acerto de contas pode ser feito, através das matrizes, no exterior. Assim, o Fundo Social, uma idéia nobre para dar função social ao aproveitamento do Pré-Sal, tende a se tornar inócuo.

“ESQUECIMENTO” DO VALOR GEOPOLÍTICO

Prejuízos acarretados pelo projeto do senador José Serra não
quantificáveis são muitos. Primeiramente, é preciso estar consciente
que seu projeto irá “inundar” a área do Pré-Sal com petrolíferas
estrangeiras. Elas, que estão com dificuldade para aumentar suas
reservas, graças ao petróleo brasileiro, conseguirão garantir seus
futuros. Além disso, elas só compram plataformas de petróleo no
exterior, pois, após 20 anos do término do monopólio estatal, nenhuma destas empresas comprou uma única plataforma no Brasil, enquanto a Petrobras, desde o governo Lula, só as compra aqui.

A encomenda de desenvolvimentos tecnológicos e a contratação da
engenharia pelas empresas estrangeiras ocorrem com entidades do
exterior. As multinacionais não têm interesse de abastecer o Brasil
com derivados, exportando totalmente o petróleo produzido por elas, sem nenhum valor agregado e, ainda mais, sem pagarem o imposto de exportação, por se beneficiarem da lei Kandir.

Muito mais poderia ser acrescentado ao já extenso artigo. No entanto, desejo só dizer que o petróleo não vale unicamente por ser um energético com milhares de usos e o setor de transporte, em escala mundial, ser dependente dos seus derivados. Petróleo significa também poder político para nações que o detêm soberanamente. O projeto do senador Serra esquece por completo este valor do petróleo, pois, ao entregá-lo a firmas estrangeiras, o Estado brasileiro perde o poder geopolítico.

Assisti a uma palestra recentemente, na qual o orador falou sobre o uso dado pela Noruega ao seu petróleo do Mar do Norte com grande impacto social, o que trouxe uma melhoria considerável no IDH deste país. O mesmo não acontecerá com o Brasil se o projeto Serra passar. Deste modo, a diferença que existe entre a Noruega e o Brasil é o grau de conscientização política do povo. Um congressista norueguês, mesmo que quisesse, não apresentaria um projeto análogo ao do Serra lá, dado o grau de constrangimento a que seria submetido.

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