Por Laura Carvalho

 

Na profusão de notícias atribuídas ao governo provisório, constam inúmeras medidas cuja radicalidade contrasta com a interinidade e a falta da legitimidade conferida pelo voto. Seria o caso de uma eventual privatização dos Correios e da Casa da Moeda.

Na taxonomia apresentada no “Staff Note” do FMI intitulado “Accounting devices and fiscal illusions”, cujo conteúdo resumi na coluna “Rigor Seletivo”, de 15/10/2015, uma das quatro formas de reduzir artificialmente o deficit público é a dos chamados desinvestimentos, que elevam receitas hoje em detrimento de receitas futuras.

Como aponta o autor, ainda que a arrecadação oriunda da venda de ativos públicos possa ser contabilizada como reduzindo o deficit imediato, o governo também perde os dividendos futuros das empresas privatizadas, o que pode tornar o benefício fiscal da operação muito menor ou até mesmo inexistente.

Os Correios, que não foram privatizados nem nos EUA por seu caráter estratégico e essencial, registraram em média R$ 800 milhões de lucro líquido por ano desde 2001 (aos preços atuais), dos quais ao menos 25% voltaram para a União na forma de dividendos. Antes do agravamento da crise, o lucro líquido dos Correios chegou a ultrapassar a faixa de R$ 1 bilhão, em 2012, e o da Casa da Moeda atingiu um recorde de R$ 783 milhões, em 2013.

Outros anúncios recentes reforçam a impressão de que a gestão das contas públicas pelo governo interino será menos transparente –além de mais regressiva e contraproducente– do que a posta em prática pelo governo eleito nos últimos anos.

O interventor destacado para o Ministério da Fazenda, o sr. Henrique Meirelles, anunciou, por exemplo, que buscará congelar as despesas públicas em termos nominais (sem o desconto da inflação). No entanto, conforme aponta o estudo do Ipea de Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair já divulgado pelo colunista Vinicius Torres Freire em 24/4/2016, quase 92% do aumento de gastos federais em 2015 deveu-se ao pagamento dos débitos com bancos públicos e FGTS –as tais “despedaladas fiscais”–, tendo o gasto real efetivo caído cerca de 4%.

Em mais um truque de ilusionismo fiscal, a equipe econômica provisória poderá aproveitar-se do aumento contábil de despesas em 2015 para vender o peixe da estabilidade no valor nominal dos gastos, sem ter de cortar despesas reais efetivas. Os cortes restringir-se-iam, portanto, aos itens que simplesmente não contam com a boa vontade dos apoiadores mais afoitos do golpe.

Uma das primeiras vítimas foi uma modalidade do programa Minha Casa, Minha Vida, cujo cancelamento anunciado pelo Ministério das Cidades na terça (17) implicará perdas não só de caráter social mas na geração de empregos do setor de construção. Só na cidade de São Paulo, 8.785 unidades habitacionais tiveram seu financiamento suspenso.

A julgar pelo perfil dos suspeitos, as próximas vítimas poderão ser o SUS, a universidade pública e o incentivo à pesquisa, o salário dos servidores menos influentes, ou os outros programas sociais. Os investimentos públicos em infraestrutura, que já vêm sendo atacados desde 2011, podem ser enterrados pela MP 727, de 12/5, que inaugura nova fase de concessões e privatizações.

Enquanto isso, o aumento de impostos progressivos continua fora da agenda, e a eliminação das desonerações fiscais, também. Já a volta da CPMF passou a ser recebida com tranquilidade. Tranquilidade perdida pelos que assistem mais uma vez à mudança das regras da aposentadoria, que, segundo Meirelles, terá de ser feita no meio do jogo.

Maquiavel teria aprovado: todo o mal, de uma vez, concentrado naqueles que sempre falaram menos e trabalharam mais.

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