Por Jean Wyllyspublicado 16/04/2017 09h42

As investigações não podem culminar no perdão a ladrões ou servirem para deslegitimar o sistema democrático
Antonio Cruz / Agência Brasil
Ato a favor da Lava Jato em Brasília

Algumas semanas atrás, causou certo alvoroço uma crítica que eu fiz à minha amiga e companheira Luciana Genro com relação à avaliação que ela tinha feito sobre o andamento da Operação Lava Jato e sobre a atuação do juiz Sergio Moro. Infelizmente, alguns companheiros do PSOL interpretaram essa crítica como um ataque, mas não era.

Concordo com Luciana na avaliação de que a Lava Jato é importante. Investigar, descobrir e denunciar as relações promíscuas de boa parte do sistema político brasileiro com um grupo de empresários que há décadas vêm sugando recursos públicos é algo positivo.

Essa forma de se fazer política, que virou regra no Brasil, tem causado enormes prejuízos ao País e, principalmente, aos mais pobres, porque todos esses milhões que empreiteiras, bancos, laboratórios, empresários do agronegócio, do transporte e de outras atividades econômicas “doam” para as campanhas dos candidatos não são de graça. Sempre há contrapartidas a beneficiar esses empresários, prejudicando o Estado e as pessoas.

Depois de anos enfrentando o poder de Eduardo Cunha (e eu o enfrentava e denunciava desde muito antes do impeachment, quando ele ainda era aliado do PT), celebrei que seus podres tenham sido revelados. A Lava Jato, na medida em que começou a jogar luz sobre esses tenebrosos bastidores da política, fez um serviço ao país.

Contudo, também faço críticas ao juiz Moro e à “força tarefa”, não porque não queira que a investigação avance, mas porque quero que ela seja feita sem arbitrariedades, sem messianismo, respeitando a lei, sem viés partidário, sem seletividade, sem sensacionalismo e não misturando alhos com bugalhos. Punindo quem mereça, mas não fazendo caça às bruxas.

A ideia de que qualquer “delação” de um criminoso preso que está negociando uma redução da pena é uma verdade revelada que garante, sem mais, a culpabilidade do “delatado” é algo que não podemos aceitar. Isso acaba com o princípio de presunção de inocência, destrói reputações sem provas e permite um uso político e eleitoral desonesto do que deveria ser uma investigação séria e baseada em evidências e não em manchetes de jornal.

Em uma declaração recente, amplamente divulgada pela imprensa, Marcelo Odebrecht disse que “todos” os parlamentares eleitos receberam dinheiro via caixa dois. Eu sou parlamentar, fui eleito duas vezes, e não recebi. Minha campanha foi financiada por pequenas doações de pessoas físicas (cidadãos e cidadãs comuns) pela internet. Foi uma campanha barata e honesta. E, assim como eu, há muitos.

Em Brasília, todo o mundo sabe quem é quem. E eu garanto a vocês que há deputados honestos não apenas no PSOL, mas também em outros partidos. Conheço deputados e deputadas honestos do PT, do PSDB, da Rede, etc., com os quais tenho diferenças políticas enormes, mas não duvido do seu caráter. Gente séria que pensa diferente de como eu penso, mas não rouba.

Nos últimos dias, duas manchetes de jornais me causaram igual repulsa. Em uma, foi noticiado que Marina Silva tinha sido “delatada” pela Odebrecht. Na outra, a mencionada era a Luciana Genro. No caso da Marina, tratava-se de uma doação legal para a campanha dela, declarada em sua prestação de contas.

O PSOL não aceita esse tipo de doações e eu poderia criticar a Marina por tê-la aceitado, mas seria uma crítica política; ela não fez nada ilegal. Tenho enormes divergências com Marina e fui muito crítico dela na última campanha, mas não tenho dúvidas de sua honestidade.

No caso da Luciana, a informação era de ela teria aceitado anos atrás uma doação da Odebrecht para o Emancipa, um pré-vestibular que fundou quando deixou de ser deputada, responsável por ajudar gratuitamente estudantes pobres a se preparar para o ingresso à universidade.

A doação também era legal, além de ser para uma causa justa, e não tinha nada a ver com a campanha da Luciana. Ela inclusive revelou os e-mails trocados com um executivo da Odebrecht que pediu a ela que intercedesse para que seu pai, Tarso Genro, ajudasse a empresa num negócio no Rio Grande do Sul. Luciana respondeu que não faria isso de jeito nenhum e que, diante desse pedido, não queria mais um centavo para o Emancipa; e não teve mais doações. Luciana, como eu e muitos outros, é uma pessoa honesta.

A Lava Jato tem que continuar e os corruptos têm que ser denunciados. O que não podemos fazer é deixar de cobrar seriedade, isenção política e provas. As delações são um elemento importante da investigação, mas não provam nada.

No caso de Cunha, por exemplo, além das delações, havia contas bancárias, transações financeiras, empresas radicadas em paraísos fiscais, dinheiro, documentos. Em outros casos, até hoje, só há uma declaração de um preso que diz que ouviu falar.

A Justiça deve investigar e provar, e a imprensa deve noticiar com seriedade, não transformando acusações em condenações quando o acusado é adversário político. Existem leis, processos, direito de defesa. A minha crítica à Lava Jato tem a ver com isso e não com a defesa de nenhum corrupto. Aquele que tiver roubado, eu quero mesmo é que vá preso.

Precisamos defender as investigações, mas sem deixarmos de cobrar respeito pelas garantias legais e, sobretudo, evidências concretas. O sensacionalismo do “todos são iguais” pode acabar sendo uma desculpa para perdoar os ladrões (afinal, eles não teriam feito nada excepcional) e uma maneira muito perigosa de deslegitimar o próprio sistema democrático, cedendo o passo para aventureiros e autoritários com interesses não menos espúrios que os de gente como Cunha e Temer.

https://www.cartacapital.com.br/politica/os-perigos-da-lava-jato

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