Vender Carcará não atende aos interesses brasileiros
por Guilherme Estrella*
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Eis que o pré-sal, a maior província petrolífera do mundo dos últimos 50 anos, é encontrado pelaPetrobras, em território brasileiro, em frente à mais importante região industrial do nosso País.
Enfim o Brasil, 250 depois da Primeira Revolução Industrial, dispõe de suprimento energético abundante para construir, com autonomia, um verdadeiro Plano Estratégico Brasileiro, com um processo de industrialização inteiramente suportado na dimensão energética.
Entretanto, essa autonomia não representará soberania se não estiver baseada, concretamente alicerçada, em conhecimento, tecnologia e engenharia de projetos, construção, implantação, operação (com segurança máxima) e manutenção. Todo esse conjunto de condições devidamente dominado por empresas de capital brasileiro, com centros de decisão no território nacional.
Tais pressupostos só se materializarão, verdadeiramente, com a obediência ao Marco Regulatório do pré-sal em vigor, devidamente aprovado pelo Congresso Nacional em 2010, e que tem a Petrobras como operadora única sob o regime da partilha de produção, que dá ao governo brasileiro a propriedade do óleo e gás produzido.
Qual a razão central da importância da Petrobrasser operadora única dos consórcios produtores do pré-sal brasileiro?
É porque cabe ao operador a condução de todo o processo de definição de tecnologia e projetos de engenharia que serão aplicados nas atividades operacionais. Esse privilégio do operador lhe confere o poder, também, de definir todo um imenso conjunto de materiais e equipamentos utilizados na construção, implantação, operação e manutenção dos grandes sistemas de produção de óleo e gás.
As prerrogativas descritas propiciam ao governo brasileiro todas as condições de elaborar um projeto nacional de desenvolvimento industrial – científico, tecnológico e de engenharia, com a participação direta da universidade e de centros de pesquisas nacionais e com empresas privadas controladas por capital brasileiro – concretamente autônomo e soberano, inteiramente sustentável ao longo de todo o século XXI.
Adiciona-se a essa extraordinária oportunidade estratégica que o Brasil afinal detém, o rico conteúdo em gás natural do pré-sal. Não só para suprir com abundância a demanda por parte da indústria e do consumo doméstico, mas também pela presença de matéria-prima para fabricação de fertilizantes, outra fragilidade nacional na medida em que o nosso importantíssimo agro-negócio, uma das principais colunas de nossa economia, depende de fertilizantes importados.
Além de atender à demanda do uso industrial e doméstico, é fundamental para a geração termoelétrica e para impedir “apagões” no suprimento nacional. É também igualmente rico em insumos básicos para a produção petroquímica, setor importante da economia brasileira.
Não há, portanto, em minha opinião, argumentos operacionais e técnicos que possam presidir qualquer decisão empresarial da Petrobrás quanto ao petróleo e gás do nosso pré-sal – e também de outras áreas importantes no território nacional.
Vender Carcará, ainda mais sob o regime de concessão, não atende aos interesses brasileiros. É assunto estratégico para a soberania nacional, questão de Estado.
*Guilherme Estrella foi diretor de Exploração e Produção da Petrobras e integrou as equipes que fizeram as grandes descobertas no Iraque e no pré-sal, em 2007, no governo Lula.