Nas últimas semanas, iniciou-se uma discussão sobre o marco de exploração do pré-sal. O que está em jogo são as possibilidades de mudança das regras no modelo de partilha – que prevê participação da PETROBRAS em 30% nos consórcios que exploram os blocos do pré-sal – e de revisão da política de obrigatoriedade do conteúdo local, a qual visa ao incentivo da indústria nacional. Apesar de alguns membros de instituições do governo – como o Ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, e Magda Chambriard, diretora-geral da ANP – admitirem que essas possibilidades existem (veja mais neste link), alguns setores da sociedade têm-se posicionado contrariamente à medida, tendo em vista que ela fere os interesses nacionais, cuja garantia se situa, sobretudo, na defesa do desenvolvimento da PETROBRAS.

 

A conjuntura atual em que se insere a PETROBRAS (denúncias de corrupção e irregularidade na companhia) apresentou-se de forma propícia para alguns agentes políticos e econômicos (mercado, mídia e membros do Congresso), que atacam a soberania da estatal e agem de forma oportunista para pressionar o governo a alterar as regras vigentes de exploração. Fernando Sarti, professor da UNICAMP, corrobora essa tese, ao defender o atual modelo regulatório e afirmar que “quem defende uma revisão nunca apoiou essas regras e está se aproveitando da crise na Petrobras para tentar mudá-las”. Carlos Lessa, professor da UFRJ, também concorda e sustenta que a corrupção serve como mote para enfraquecer a PETROBRAS, já que, segundo ele, a ideia daqueles agentes é a de que “a PETROBRAS é corrupta logo vamos desmantelá-la”.

 

Não restam dúvidas de que a proposta de flexibilização das regras da exploração do pré-sal visa ao cumprimento dos interesses de atores do mercado, por exemplo, as grandes empresas multinacionais e os acionistas da PETROBRAS, que lucrariam mais com a proposta. Nesse sentido, Fernando Sarti salienta que “uma empresa desse porte e que atua em um ramo tão estratégico não pode ter como objetivo apenas maximizar o lucro de seus acionistas”. Já a presidenta Dilma posicionou-se contrariamente à proposta, argumentando que “o que está em disputa é a forma de exploração desse patrimônio e quem fica com a maior parte”, ou seja, o que se pretende é que a PETROBRAS defenda a soberania dos recursos naturais e sua utilização em prol do desenvolvimento nacional, e não que entregue seu patrimônio, sem as devidas contrapartidas, nas mãos do mercado.

 

Tanto a mudança do modelo de partilha quanto a revisão da obrigatoriedade da política do conteúdo local trariam consequências nefastas ao desenvolvimento da indústria nacional, precipuamente em um momento em que o Brasil atravessa um quadro de desindustrialização.

 

Sobre a revisão do modelo de partilha, é preciso ressaltar alguns números: aumento da produção de petróleo nos campos do pré-sal, nas bacias de Campos e de Santos, que chegou a 800 mil barris por dia (face a apenas 42 mil, em 2010); diminuição dos custos de produção, já que, atualmente, o barril custa US$9 – as estimativas iniciais, no início da exploração do pré-sal, eram de que o barril custasse US$45 – valor que Solange Guedes, diretora de Exploração e Produção da PETROBRAS atribui à “escala de produção maior e aos investimentos em tecnologia”; finalmente, a estrutura de produção e transporte do pré-sal inclui 3 navios, 20 plataformas (13 em funcionamento), 13 helicópteros e 47 embarcações (leia mais neste post). Para Fernando Sarti, esses números mostram que a PETROBRAS tem condições técnicas e operacionais de atingir as exigências do atual modelo de partilha.

 

No que concerne à política de conteúdo local, Carlos Lessa destaca que abrir mão dela “é um erro vital” e que ela “foi particularmente importante para o Brasil”, considerando-se que é um dos instrumentos importantes que o governo pode utilizar para desenvolver uma política industrial e que levou ao renascimento da indústria naval, porque a PETROBRAS passou a encomendar navios e sondas nacionais, forçando os estaleiros nacionais a utilizarem fornecedores internos. Ademais, o fortalecimento da indústria nacional garante a geração de mais empregos e mais renda para os trabalhadores. Em relação a isso, o presidente do Sindicato da Indústria Naval, Ariovaldo Rocha, disse que o setor está “produzindo com qualidade e gerando empregos” e pediu que a política de conteúdo local não fosse revista, temendo, portanto, prejuízos à indústria e aos trabalhadores.

 

A revisão do modelo de partilha e da política de conteúdo local fere, gravemente, o desenvolvimento nacional. Sua discussão situa-se num quadro de instabilidade da PETROBRAS, ou seja, em um momento oportuno para os atores que mais querem ganhar com o enfraquecimento da empresa. Além do mais, a história mostra que a política industrial implementada no setor naval foi bastante acertada, não fazendo sentido, destarte, pedir que a obrigatoriedade do conteúdo local seja revista pelo governo. Tampouco se sustenta a tese de mudanças do modelo de partilha, tanto pelos números evolutivos da exploração do pré-sal, quanto pelo prejuízo que acarretaria à soberania energética nacional.